Tradições ópticas de duas capitais – Minas Gerais e Goiás – com quase 80 anos
Uma empresa familiar representa um legado que atravessa gerações, mantendo viva uma história construída com compromisso, dedicação e amor. À medida que os tempos mudam, as pessoas que gerenciam a empresa também mudam, e em cada nova era, surgem inovações.
No setor óptico houve muitas mudanças e inovações tecnológicas ao longo das décadas, e como em qualquer segmento, não é fácil manter uma empresa aberta. Muitas fecham as portas logo nos primeiros anos, por outro lado, há aquelas que se mantêm durante décadas, passando de geração em geração.
Dois exemplos dessa persistência e sucesso estão localizados nas capitais de dois importantes estados brasileiros: Goiânia e Belo Horizonte.
Em fevereiro de 2025 a Ótica Moderna, localizada em Belo Horizonte, MG, completará 80 anos de fundação. Hoje à frente da óptica está Lilian Hermanny, neta do fundador Oscar Hermanny, um empreendedor nascido na Alemanha e que viveu no Brasil.
Oscar era considerado um aventureiro. Ele passou por São Paulo e Rio de Janeiro, mas foi em Belo Horizonte que criou raízes e constituiu família. Inicialmente, montou a Casa Hermanny, uma loja de presentes que faliu durante a Segunda Guerra Mundial. Recomeçou em outro segmento, o de equipamentos dentários, e em seguida tornou-se sócio em uma óptica, assumindo-a sozinho mais tarde.
Um dos filhos do alemão ficou com o negócio de equipamentos dentários, e o outro filho, Alberto Luiz Hermanny, pai da Lilian, herdou a óptica, onde permaneceu por muitos anos desde jovem. “Quando eu tinha 19 anos comecei a ajudar meu pai na óptica. Estava cursando Comércio Exterior e fui trabalhar com ele para ganhar dinheiro e poder sair. Sempre gostei muito de óculos e me aperfeiçoei fazendo um curso técnico de optometria. Estou há 38 anos na óptica”, conta Lilian.
Há 41 anos no mesmo local, a loja passou por reformas no ano passado. Além das mudanças físicas, muitas outras ocorreram ao longo do tempo. A evolução foi acompanhada de perto pela proprietária. Ela cita a diferença entre as lentes atuais e as do passado, por exemplo. “A espessura e o conforto que o usuário tem hoje em dia não se comparam com as de antigamente. Os materiais são sofisticados e há uma variedade enorme”.
Quanto aos equipamentos, a evolução também foi significativa, embora Lilian ainda utilize o método tradicional em algumas situações. “A evolução dos equipamentos foi fantástica. Tem aparelhos para tirar medidas, fotografias, mas ainda gosto de fazer à moda antiga, manualmente. Peço para a pessoa andar, dar uma volta para checar”.
A gestão da loja hoje é totalmente informatizada, o que contribui para melhorar o desempenho da óptica. “Tenho uma pessoa responsável pelo sistema. É tudo automatizado, desde a entrada da mercadoria até a saída da nota fiscal. É um sistema muito interessante”, diz Lilian.
Embora as mudanças tragam benefícios como facilidade, rapidez e qualidade, Lilian revela que há algo que ela não aprecia nessa evolução. “Esse negócio de atender pela internet, online, pelo WhatsApp não me satisfaz. Eu prefiro o atendimento presencial, gosto mesmo é do contato direto e, se necessário, vou até a casa do cliente, caso ele não possa vir até a loja”.
Chegar aos 80 anos com as portas abertas é sinônimo de sucesso, e Lilian compartilha a receita, que é simples. “Manter um bom atendimento e a qualidade do serviço. Além disso, o cliente ser atendido pelo dono gera uma relação de amizade, e isso é ótimo”.
Olhando para trás, a empresária fica feliz com tudo o que viveu e conquistou. “É gratificante poder ajudar alguém que não está enxergando direito”, comenta Lilian expressando sua esperança de a Ótica Moderna continue por mais gerações na família. “Tenho dois filhos, um engenheiro e outro formando em Finanças e o meu sonho é passar a óptica para eles e que ela permaneça na família”.
Com aproximadamente 900 quilômetros de distância, de Belo Horizonte a Goiânia, outra óptica fez história e também está quase chegando aos seus 80 anos.
Com quatro lojas na capital de Goiás, as Óticas Motta têm 77 anos e são hoje comandadas por Henrique Fleury da Motta e Laís Fleury da Motta, netos de Sebastião José da Motta, seu fundador em 1947.
Empreendedor, Sebastião Motta trabalhava em uma banca de relógios na conhecida avenida Anhanguera, com seu irmão mais velho, quando teve a ideia de ir para o Rio de Janeiro fazer um curso prático de Óptico. Ao retornar, inaugurou as Óticas Motta.
Segundo Henrique houve altos e baixos desde a inauguração da primeira loja. “Chegamos a ter 6 ou 7 lojas, inclusive em Brasília, Anápolis e Itumbiara, além de Goiânia”, revela. “Meu avô teve um único filho, meu pai, Lucas Motta, que assumiu a direção da empresa, ao lado de minha mãe, Maria das Graças Fleury Motta. Terminaram a década de 1990 com apenas uma loja, e em 2001 meu pai faleceu, aos 53 anos”.
Henrique, formado em Administração e professor de Inglês, morou fora do Brasil e revela que a mãe administrou a óptica sozinha até o final dos anos 2000. Na época era uma pequena loja no Centro de Goiânia que sua mãe queria vender. “Eu pedi que ela me deixasse tentar mais uma vez, para valer, e de lá para cá a gente vem crescendo. Minha mãe saiu da empresa em 2012 e eu fiquei sozinho na gestão até o ano de 2021, quando minha irmã Laís retornou como investidora. Hoje, estamos com quatro pontos de vendas, reativando o nome da Motta”.
O primeiro laboratório óptico da região era o das Óticas Motta, um trabalho extremamente artesanal, de acordo com Henrique. “Eu cresci dentro do laboratório e era a parte que eu mais gostava. Sou técnico óptico e embora hoje eu monte óculos nas máquinas novas, acho que tenho mais habilidade para sulfatar nas antigas, pois as atuais são quase como um videogame”, brinca.
Ainda sobre a evolução dos equipamentos, Henrique conta que ocorreram muitas mudanças, porém ele faz questão de guardar em um museu algumas máquinas antigas como facetadoras, calibradores, maletas de provas, além de cerca de 2 mil óculos vintage. “São peças de compras equivocadas feitas no passado, nas décadas de 60, 70, todas catalogadas que deixo em exposição nas lojas e não estão à venda”.
Hoje, nas Óticas Motta, a fabricação dos óculos é terceirizada, mas o laboratório de montagem é próprio, com equipamentos de última geração. Também contam com duas marcas próprias, sendo uma feminina e outra masculina, ambas para óculos de receituário e solares.
A óptica está em sua terceira geração, mas mantém muitos clientes antigos. “Como é uma óptica tradicional, acabamos atendendo clientes de terceira geração também, cujos avós compravam aqui. Existe um sentimento muito forte de fidelização”.
Para Henrique, a pandemia provocou mudanças em termos tecnologia, mas as pessoas continuam buscando um bom atendimento. “Nosso canal de WhatsApp fica comigo e com minha irmã, ou seja, os donos atendem os clientes e depois direcionamos para os colaboradores. Isso faz diferença para o cliente e não importa se é uma venda de R$ 100 ou R$ 10.000, o atendimento será sempre o mesmo”.
O empresário admite que se enganou no passado quando achava que a empresa tinha gestão, mas não tinha. Ele diz que o que tinham, na verdade, era organização, porém faltava muito em termos de informação. “Hoje contamos com um sistema de software muito bom, que alimento diariamente. Temos tudo certinho, os números alinhados, qual a grife está girando mais rápido, o que não podemos repor na vitrine porque o giro é lento. Analisamos o que vamos repor com base naquilo que vendeu no mês, quantidade de peças, etc”.
Henrique afirma que a renovação no comando da empresa aconteceu no momento certo e que o segredo do sucesso é fazer o óbvio. “Temos que tratar o cliente com cuidado, zelar por ele e fazer todo o acompanhamento também pós-venda”, explica.
O proprietário das Óticas Motta finaliza dizendo que os goianos são grandes apoiadores dos negócios locais. “Goiás é uma região muito bairrista, isso se verifica na dificuldade que as grandes redes têm em entrar na praça. Aqui é muito comum perguntarem de quem você é filho, ou quem é seu pai, ou seja, os laços familiares”.
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