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O papel do Consultor Óptico no Controle da Miopia

O papel do Consultor Óptico no Controle da Miopia

Desempenhando um papel vital no controle da miopia: A importância do Consultor Óptico

As telas vieram pra ficar, mas a miopia não! Essa é uma frase que tenho usado em muitos discursos, e reflete a urgência de cuidarmos da miopia enquanto sociedade, atuando não só no tratamento, mas também na sua prevenção.

E digo isso porque as previsões não são boas! Em menos de 30 anos, se nada for feito, bilhões de pessoas se tornarão míopes e outros milhões, altos míopes, sujeitos a toda a sorte de comorbidades e agravos decorrentes dessa condição com alto potencial para levar à cegueira.

Imagine um futuro onde a visão embaçada se torna a norma, onde as oportunidades são limitadas e os sonhos são obscurecidos….

A miopia já atinge proporções alarmantes em todo o mundo, impactando negativamente não apenas a percepção visual dos portadores, mas seu desempenho acadêmico, esportivo, relações pessoais, autoestima, trabalho, economia, prejudicando sua saúde física, mental e emocional.

De olho nisso, desde as últimas 3 décadas, pesquisas incessantes na área buscam entender os mecanismos que regem o processo de auto regulação normal do olho, do momento em que a criança nasce até a fase em que ela atinge o estado refrativo ideal (emetropia).

 E, em paralelo, correm também os estudos sobre os processos que desviam o olho desse caminho normal, tornando-o um olho míope. Com base nessas pesquisas, vários tratamentos surgiram, alguns com eficácia já solidamente comprovada. A cada dia, porém, surgem mais e mais novidades no campo, na tentativa de impedir que a prevalência da miopia continue aumentando.  Cada avanço traz consigo a esperança de um futuro livre da ameaça da miopia, onde as pessoas possam enxergar claramente e realizar seu potencial máximo.

Muitos são os tratamentos já disponíveis no Brasil e, paradoxalmente, o mais acessível é também o mais difícil de obter: chama-se controle ambiental.

Numa sociedade tão viciada em aparelhos eletrônicos (segundo dados do IBGE, 98% dos brasileiros têm ao menos um aparelho de telefone celular), é uma árdua tarefa tentar orientar os pais a diminuir o acesso às telas pelas crianças, quando por vezes, eles próprios, têm um comportamento até mais abusivo e descontrolado…

Sabemos hoje que a falta de exposição à luz do dia (com todas as suas intensidades e nuances de cor), é um dos principais fatores que fazem com que o olho se desregule, e caminhe para uma velocidade de crescimento anormal.

Somado a esse comportamento de pouca atividade ao ar livre, o uso excessivo da visão de perto (telas de celulares, tablets, computadores), a uma distância menor do que 30 cm, e sem pausas…  é mais um grande sabotador do adequado desenvolvimento visual, impedindo que os olhos das crianças e jovens sigam seu processo normal de emetropização.

Esses olhos tendem a crescer mais precocemente do que o esperado, e mais velozmente, tornando-se olhos míopes e altos míopes(grau acima de -5DE).  

Na linha dos tratamentos propriamente ditos, contamos com as seguintes opções comprovadamente eficazes, a saber:  colírio atropina na forma diluída, lentes de contato gelatinosas com controle de desfocagem, ortoceratologia (lentes rígidas de uso noturno que agem através da remodelação do tecido corneal), lentes de óculos com controle de desfocagem e tratamentos a base de luz com diferentes comprimentos de onda. 

Nesse texto, vou me ater somente ao tratamento com as lentes de óculos com controle da desfocagem (“defocus”), que é onde o consultor óptico desempenha um papel fundamental.

Essas lentes são uma solução, ao mesmo tempo, eficaz e prática no controle da progressão da miopia, já que combinam a correção e o tratamento simultaneamente.  

Diferentes das lentes de óculos de visão simples, as lentes com desfocagem trabalham com duas zonas distintas: uma área central focada para longe (com o grau da miopia do paciente) e outra zona na meia  periferia, com adições positivas (que variam em desenho e poder dióptrico, entre +2,50DE a +3,50DE, a depender do fabricante), cujo funcionamento se assemelha no objetivo: provocar uma zona de desfocagem optica miópica na retina periférica, o que estimula o olho a parar de crescer, portanto,  desacelerando a progressão da miopia.

E o que é então desfocagem óptica miópica?

Vamos supor que temos uma prescrição de óculos de -3.00DE para um jovem paciente. Se este paciente tem diante dos olhos, lentes divergentes comuns (visão simples), a área central da imagem, é focada na retina. Porém, devido ao formato do olho não ser completamente esférico, a imagem que se forma na meia periferia da retina, é diferente. Ela cai “para fora” do olho, como se, naquela região, o olho fosse mais curto, o que chamamos: desfocagem hipermetrópica (ou defocus hipermetrópico).

A retina então reage à percepção dessa desfocagem hipermetrópica, e ativa uma cascata de neurotransmissores, que acabam por alterar a espessura da coróide (camada média do olho) e, por fim, se altera a matriz de colágeno da esclera (a parte branca, mais externa do olho), tornando-a menos oxigenada, mais mole e mais sujeita à deformação, portanto, mais propensa ao crescimento ocular desregulado na infância.

Ao usar as lentes especiais com defocus para o controle da miopia, a presença de adições positivas no desenho dessas lentes, induz o caminho contrário: acontece uma desfocagem miópica percebida pela retina periférica (a imagem é projetada antes da retina na meia periferia), o que sinaliza às demais estruturas oculares um “stop” no crescimento, ocorrendo assim uma estabilização da velocidade de progressão do grau, naqueles pacientes que estavam desregulados. 

E, nesse ponto, é muito importante que o discurso do oftalmologista e do profissional óptico estejam muito bem alinhados. A parceria entre prescrição e execução ópticas, precisa estar sempre em sintonia, para que o paciente tenha a melhor visão possível como resultado dessa cooperação profissional.

Ao falar sobre as lentes de controle da miopia com os pais, é importante que tanto o oftalmologista quanto o consultor óptico, transmitam a ideia de que essas lentes vão além de um óculos comum. Explicar que elas têm o objetivo de controlar o avanço da miopia e ajudar a preservar a saúde visual das crianças a longo prazo, sem dúvidas trará esperança e tranquilidade aos pais, mostrando que eles estão tomando medidas assertivas para garantir o bem-estar visual de seus filhos.

A ambos os profissionais é  necessário o conhecimento dos tratamentos disponíveis, porém, somente ao oftalmologista cabe a responsabilidade de indicar uma lente com controle do “defocus”, já que essa indicação não é aleatória, para todo e qualquer caso de miopia. Ao contrário, ela deve ser baseada no exame oftalmológico, história clínica do paciente e protocolos definidos.

Dra. Renata Bastos Alves, Oftalmologista - CRM:83686
Dra. Renata Bastos Alves, Oftalmologista – CRM:83686

Serão beneficiados por esse tratamento pacientes míopes (ou pré míopes) em rápida progressão do grau de miopia axial (somente aquela relacionada ao crescimento anormal do olho).

Estão excluídos desse grupo: pacientes com miopias relacionadas a ectasias corneanas ou ceratocone, aqueles com miopias devido a alterações no cristalino, miopias associadas ao uso de medicamentos ou doenças metabólicas/genéticas, entre outras condições.

Identificar esse paciente corretamente, depende de um exame oftalmológico completo, que leva em conta não somente o grau da miopia sob cicloplegia, mas também o estudo da topografia corneana (que exclui ectasias e astigmatismos muito irregulares), a biometria (exame que define o tamanho do olho, chamado comprimento axial) e mapeamento das retinas. A análise desses exames, junto aos antecedentes clínicos do paciente, histórico familiar, e outros dados de anamnese, permitem ao oftalmologista constatar se está diante de uma criança em rápida progressão da miopia, podendo então indicar o melhor tratamento, que, a depender do contexto, pode ser uma lente oftálmica com controle do defocus.

Além disso, o médico oftalmologista deve indicar, na prescrição, qual o tipo da lente com desfocagem deseja para seu paciente, levando em conta: o grau da miopia, a presença ou não de astigmatismo e sua dioptria, e o tipo de atividades que o paciente executa no seu dia a dia.

Ao profissional óptico, cabe seguir a prescrição do oftalmologista, e complementar o seu trabalho, através de uma escuta ativa do paciente e sua família. Importante ressaltar que esse deve ser um momento de muito acolhimento, pois é necessário considerar que, muitas vezes, aquele será o primeiro par de óculos daquela criança. Certamente haverá muita dúvida, expectativa e ansiedade envolvidos nesse momento, onde magicamente, toda a teoria ouvida no consultório, vai se materializar na forma de um par de óculos, que transformarão o embaçamento em nitidez! É realmente uma ocasião muito especial, onde deverão ser discutidos: o material da armação, formato e tamanho, sem esquecer do apoio nasal, para que o ajuste no rosto, e o conforto do paciente sejam perfeitos.

Além disso, há uma grande responsabilidade do consultor óptico em executar adequadamente a leitura do perfil daquele cliente, para sugerir com maestria opções de cor e estilo compatíveis com sua personalidade e estilo de vida, considerando que, para além da autoimagem/autoestima, estamos falando sobre lentes de tratamento, que precisam ser usadas ao menos 10 horas por dia, todos os dias. Afinal, gostar dos óculos é uma parte importante na adesão ao tratamento.

Uma vez definida a armação, é fundamental que o consultor óptico esteja atento à marcação do centro óptico, definição da altura e distância naso pupilar, já que a zona livre de tratamento das lentes de defocus deve estar precisamente centralizada nas pupilas, para que a terapia seja, de fato, efetiva.

Se as lentes estiverem descentradas, além de grande desconforto para o paciente, há risco de se provocar uma iatrogenia, caso a área desfocada das lentes caia fora da localização ideal, já que a indução de efeitos prismáticos, podem interferir na estabilidade da motilidade ocular e, num cenário pior, aumentar as chances de desenvolver ambliopia numa criança com imaturidade sensorial.

Também é fundamental que o profissional óptico conheça os desenhos e particularidades de cada uma dessas lentes disponíveis atualmente para tratamento no Brasil, para que esteja apto a realizar as medidas corretamente, qualquer que seja a lente indicada pelo oftalmologista.

Como medida adicional, é relevante sugerir à família que retorne esporadicamente à óptica (cada 2-3 meses), a fim de fazer os ajustes necessários na armação, para que se tenha certeza de que o objetivo do tratamento está sendo mantido, no quesito montagem.

Diante do exposto, fica clara a importância da cooperação entre o médico oftalmologista e o profissional óptico.  Ambos precisam estar atentos a todas as formas de ajudar seus pacientes/clientes numa jornada que exige comprometimento, atualização constante e a vontade de dar o melhor de si.

No final das contas, a luta contra a miopia não é apenas sobre visão, mas sobre a qualidade de vida das pessoas. É sobre permitir que as crianças explorem o mundo com olhos curiosos, que os adultos realizem seus sonhos e que os idosos desfrutem de uma visão nítida e vibrante durante toda a vida. É sobre dar às pessoas a oportunidade de ver o mundo em toda a sua beleza e complexidade. Vamos unir nossas forças e trabalhar incansavelmente para criar um futuro onde a miopia seja coisa do passado e a visão clara seja uma realidade para todos.

Dra. Renata Bastos Alves, Oftalmologista - CRM:83686

Artigo por: Dra. Renata Bastos Alves, Oftalmologista – CRM:83686

Médica oftalmologista, formada pela Faculdade de Medicina do ABC, com especialização em estrabismo. Especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (RQE:58764-SP). Membro da diretoria executiva do Instituto Strabos, filiada à Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica (SBOP), Centro Brasileiro de Estrabismo (CBE) e ABRACMO (Associação Brasileira de Controle da Miopia e Ortoceratologia).


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Este artigo foi escrito por um(a) autor(a) convidado(a) do portal Fique de Olho.

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